Setembro tem sempre aquele sabor agridoce das despedidas. Para trás ficaram as semanas de verão, a languidez do areal da praia, a breve espuma da rebentação, os sopros das cigarras, os gelados semiderretidos e o optimismo selvagem que nasce dos dias longos e sem responsabilidade.
Nestas semanas de verão, chegamos a acreditar que a mudança é possível. Ou as mudanças, porque raramente falamos de uma só. Chegamos realmente a acreditar que, uma vez retornados à rotina, seremos capazes de - finalmente- implementar tudo aquilo que não conseguimos fazer durante todo o ano que antecedeu o verão.
Mas a rotina é poderosa: sem darmos conta, somos sugados para um vaivém permanente de acontecimentos, convidados a apagar múltiplos fogos e rapidamente (mais rápido do que gostaríamos de admitir até), as nossas resoluções do verão, evaporam-se! São as dietas que se abandonam, as rotinas de exercício que se esquecem, as promessas de reduzir o desperdício em casa, pegar mais nas bicicletas, não esquecer de pôr sacos de supermercado no carro, comprar a granel e cozinhar mais refeições sem proteína animal que se vão adiando, adiando, adiando.
É tão difícil manter a chama da transformação acesa!
E porquê?
Porque vivemos engaiolados: no universo da Europa a 27, estamos em 20º lugar no rendimento médio anual das famílias*. No entanto, trabalhamos em média 35 horas/ semana, quando a Europa trabalha 30 horas/ semana. E pior, estamos em 19º lugar no que toca a produtividade por hora de trabalho. (*dados extraídos do Retrato de Portugal na Europa 2020 na Fundação Francisco Manuel dos Santos)
O que é que isto me leva a concluir: ganhamos mal, trabalhamos um número de horas excessivas e produzimos pouco. Se a cultura do presentismo impera, é lógico que a produtividade baixa. E será que somos pouco produtivos por natureza, ou porque, independentemente da nossa produtividade, a hora de saída é tardia e o salário é fraco? Quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha?
E quando colocamos em cima destas 35 horas semanas, as horas que devemos dedicar às crianças, no caso das famílias com filhos? Num estudo famoso do Prof. Pedro Strecht, o tempo médio que os pais passam com os filhos num dia de semana é de 37 minutos.
E em 37 minutos o que é que fazemos? Serão minutos suficientes?
E o resto? O tempo para sacar das bicicletas, ir andar a pé, comprar alimentos de origem biológica nos pequenos comércios de bairro e confeccionar refeições equilibradas? O tempo para ajudar nos TPCs, arrumar mochilas, lavar e passar roupa? O tempo de dar um banho com mais brincadeira, escovar o cabelo direitinho, pôr creme hidratante nos miúdos, lavar os dentes como deve ser?
Em que mundo de exigência cega vivemos? Um mundo em que as mulheres têm de ser perfeitas, com corpos perfeitos, cabelos perfeitos, sobrancelhas perfeitas, trabalhos perfeitos, filhos perfeitos, casas perfeitas, refeições perfeitas. O que vemos com tanta força e pujança nas redes sociais é esta perfeição, uma e outra vez. Não vemos os corpos de quem não cabe nas roupas da Zara, não vemos os cabelos eternamente atados para simplificar, não vemos as sobrancelhas e os buços por depilar, não vemos os papeis que se acumulam em gavetas, as burocracias do dia-a-dia, não vemos os filhos ranhosos, nem com unhas pretas, nem os pratos de ovos mexidos com salsichas e massa.
Este ano, vim de férias com pouquíssimas novas resoluções. Vim a pensar que se calhar, só se calhar, o que já fazemos todos os dias, na correria do nosso quotidiano, é bem capaz de ser mais do que suficiente. E pela primeira vez, sinto esta necessidade de deixar a culpa - a imensa culpa - para trás. Não me serve rigorosamente para nada e pesa toneladas. Não me posso dar ao luxo de carregar mais esta pedra comido, mil vezes até ao cimo do monte, para ela, uma e outra vez, se soltar e escorregar. Chega! Vim de férias com a resolução de ser verdadeira e estar presente, focada no presente, um dia de cada vez.
Por isso, neste regresso às rotinas, desejo-vos um pouco disso: paz, presença e a clarividência de discernir o essencial do acessório. Sem culpa.