Há poucos aspectos tão dominantes dos motivos de consulta de pediatria do que o sono do bebé. Talvez (ou sobretudo) porque a sociedade actual seja tão exigente para as famílias, aquele que é um processo naturalmente longo se torne um problema. E que processo longo é este?
Simples: na mesma medida que não esperamos que um bebé recém nascido consiga andar, também não deveríamos esperar que conseguisse dormir como um adulto. E reparem, se a marcha vai demorar cerca de 12 a 14 meses para ser dominada, o sono dos adultos é algo que só começa a estruturar-se depois dos 6 meses de idade, num processo que só termina na adolescência.
Sim, dormir não é SÓ dormir. Se fosse um processo passivo e pouco importante, não começaríamos a dormir e (sonhar) ainda durante a gestação (a partir das 25 semanas) e não passávamos um terço da nossa vida a dormir.
No caso do ser humano, o sono tem uma arquitectura específica: divide-se em 2 tipos de sono, o sono REM (Rapid Eye Movement) que é um sono activo, com ondas cerebrais rápidas, muito semelhantes às ondas cerebrais do estado desperto, genericamente designado o sono dos sonhod r o sono NREM ( Non Rapid Eye Movement) que se dividide em 3 fases: N1 a N3, sendo que a fase N3 corresponde ao sono profundo, reparador.
Ora, os bebés pequenos diferem significativamente dos adultos, mas esta diferença está sobretudo acentuada nas primeiras 8 semanas de vida. Reparem, o bebé, enquanto na barriga da mãe, depende inteiramente da síntese materna de melatonina. Logo, quando nasce, não têm qualquer ritmo diário de sono. Apenas e só com a exposição regular à luz (e depende do tipo de luz), com os padrões de vida e de alimentação, é que o ritmo de produção endógena de melatonina se estabelece. E isto parece ficar relativamente solidificado pelos 45 dias (6ª semana), extensível até às 8 semanas.
Nesta etapa, dormem 16 a 18horas por dia, no entanto, mais de 50% deste sono é feito em fase activa, ou seja, o bebé mexe-se, os olhos movem-se, mesmo de pálpebras fechadas, estremecem, emitem sons e têm uma respiração irregular. Parece que estão a dormir muito superficialmente, prestes a despertar. Uma diferença notável entre os pequenos bebés e os adultos é a forma como se adormece. Nos bebés adormece-se directamente para a fase de sono activo. Isto é o oposto da arquitectura do sono dos adultos.
Claro que a partir do momento que a criança tenha estabelecido o ritmo circadiano do sono, vai passar mais tempo desperta durante o dia e mais tempo adormecida durante a noite. Pelas 12-14 semanas, fica organizado um esquema diário de sono: o sono diurno com sestas, um período importante de 1 a 3h de vigília antes do sono da noite e o sono da noite.
Com o desenvolvimento da criança, vamos verificar várias mudanças: cada ciclo de sono vai ficar mais prolongado, sobretudo à custa do sono NREM, passando dos 45 minutos (recém nascido) para os 85-120 minutos (criança de 11 anos), o sono inicia-se pelo sono NREM (igual ao adulto) e sobretudo inibição progressiva do reflexo do despertar e alargamento dos períodos de sono REM para a segunda metade da noite (quando temos sonhos mais vívidos).
Porque é que os bebés estão sempre a despertar?
Esta é a questão com a qual se debatem inúmeras famílias. Não têm um bebé que durma mal ou que tenha dificuldade em adormecer quando o deitam pela primeira vez, mas está sempre a acordar! E claro, a cada pequeno despertar reclamam a presença dos pais (nos casos mais simpáticos, ou então colo, embalo e passeio pela casa).
Estes despertares são muito frequentes logo após o nascimento e tendem a diminuir durante o primeiro ano de vida. Posteriormente, tornam a ser muito frequentes na adolescência. Os bebés despertam quando estão na fase de sosno REM ou sono activo e pensa-se que este baixo limiar para o despertar esteja relacionado com um mecanismo de protecção respiratória. Quando o bebé acorda, aumenta a frequência respiratória e a frequência cardíaca. Pensa-se que uma disrupção deste mecanismo possa associar-se ao síndrome de morte súbita no lactente (SMSL).
Curiosamente, os mesmos mecanismos de protecção do SMLS , como o aleitamento materno, o breastsleeping e a chucha, parecem promover os microdespertares. Ao invés do tabagismo e do sobreaquecimento que aumentam o limiar de despertar dos bebés.
Com este longo texto, o que pretendo explicar é que o sono dos bebés processa-se em ciclos curtos, é activo (ruídos, movimentos, irregularidade da respiração) e muito fragmentado. Justamente aquilo que, como sociedade, reconhecemos como características indesejadas. Queremos bebés que adormeçam sozinhos na sua cama, que não façam ruídos estranhos ou que se mexam muito e sobretudo que durmam 6 a 7 horas seguidas.
Mas vamos lá recapitular! Os ciclos de sono de 85 a 120 minutos são uma realidade após os 11 anos de idade! E sim, os bebés e as crianças pequenas têm um limiar mais baixo para despertar, logo, ter expectativas de uma boa noite de sono antes de 1 ano de idade, é capaz de ser bastante irrealista. Mais, tendo em conta o que a ciência nos diz actualmente, a prevalência de problemas do sono e supressão de sono na população adulta, faz com que não tenhamos a mínima resiliência para aguentar o primeiro ano de vida de um bebé.
E reparem, nem todos os bebés dormem bem no final do primeiro ano de vida. Algumas alterações do sono só tendem a melhorar na idade escolar. Se isso é mau para os pais? Sim, péssimo! Se isso corresponde a um problema real para a criança? Se a criança não tem sonolência diurna, se tem um desenvolvimento normal, se cresce como previsto: Não! E o que é que isto gera? Uma indústria especializada em sono do bebé, música para dormir, aplicações de telemóvel com ruído branco, livros sobre o sono dos bebés e métodos infalíveis para ensinar o bebé a dormir em menos de uma dúzia de dias e terapeutas de sono, online, presenciais, em consulta, muitas vezes sem credenciais recomendáveis. Por isso, aconselhe-se com o seu médico assistente e procure ajuda junto de profissionais certificados. Se pretender aplicar o método de treino de sono, tenha em mente que são profundamente desaconselhados nos primeiros 6 meses de vida (recomendações da Academia Americana de Pediatria), uma proibição que proponho alargar até aos 12 meses, tendo por base a evolução rápida da fisiologia do sono nesta etapa de vida.