24/1/2021

O SARS-CoV 2 mudou a face da saúde em Portugal e o que vemos não é bonito!

Sim, estamos em plena vaga de transmissão de SARS-CoV2. A real situação no que diz respeito à transmissão da estirpe inglesa ainda é desconhecida, mas tendo em conta o maior risco de contágio, a situação está claramente descontrolada.

Não tenho falado sobre Covid 19 e explico porquê: felizmente a situação na pediatria está longe do que o que se passa nos adultos. Quando digo longe, digo mesmo diametralmente oposta!

Os serviços de urgência pediátrica, outrora atafulhados de miúdos ranhosos sem qualquer gravidade, estão mais vazios que nunca pelo medo do contágio.

Que elação tiramos disto? Provavelmente que o recurso aos serviços de urgência hospitalares pediátricos sem qualquer justificação era a regra e não a exceção.

Agora, com o encerramento das escolas, ainda esperamos maior decréscimo na utilização de serviços de urgência pediátricos. Provavelmente nunca fez tanto sentido reorganizar recursos e garantir uma urgência metropolitana a funcionar em pleno do que múltiplos serviços de urgência que funcionam sem radiologia depois da meia-noite, sem otorrinolaringologia, sem oftalmologia, só para citar alguns exemplos. Lisboa merece uma resposta eficaz e centralizada, sem duplicações de quintas e quintaizinhos para agradar aos egos dos senhores doutores.

Por outro lado, os relatos que nos chegam dos adultos são ominosos. A situação é catastrófica. Unidades no limite da sua capacidade, camas que não arrefecem entre os que partem e os que chegam, ausência de vagas nas câmaras frigoríficas da morgue.

Estamos exactamente como a Lombardia há 1 ano atrás.

Estamos exactamente no pico da transmissão.

Lembram-se do achatamento da curva que conseguimos em Março de 2020…pois bem, desfizemos tudo o que conseguimos por causa de um natal.

E o que mais me preocupa é a situação de hospitais do interior. Que o interior seja claramente esquecido nesta coisa de distribuição de recursos, não é nada de novo, mas perceber que o Centro Hospitalar de Tondela-Viseu tem mais doentes com COVID internados do que o Hospital de Santa Maria, diz-nos bem que a verdade foi que as pessoas dos centros urbanos foram passar o natal com a família , para o interior, provocando por isso uma onda de devastação, nos locais com menos capacidade de enfrentar a onda (quando digo capacidade, falo claramente de recursos e não capacidade técnica de quem trabalha nestes locais).

O que sabemos é que um Sistema Nacional de Saúde depauperado por administrações e tutelas coniventes com o seu desmantelamento, chegou efectivamente no seu limite. As escalas estão cheias de buracos, os profissionais também adoecem e realmente não há ninguém para os substituir. Não temos médicos, enfermeiros, auxiliares de acção médica e técnicos em gavetinhas diligentemente à espera para serem chamados para a linha da frente. Não. Somos os mesmos, sempre os mesmos, continuaremos a ser os mesmos.

Os contratos extra que agora surgiram têm o seu termo a 4 meses. O que é isto? Acham mesmo que daqui a 4 meses a pandemia acabou?

O SARS-CoV 2 mudou a face da saúde em Portugal: colocou-lhe máscara, touca, viseira e distanciou os doentes dos profissionais de saúde.

Todas as dificuldades de acesso aos cuidados de saúde, intensificaram-se. No contexto de pandemia, tudo se tornou mais lento, mais pesado, mais burocrático. Como se a pandemia servisse precisamente para colocar milhares de pedrinhas em todas as engrenagens. No entanto, nas últimas semanas falamos de um cenário de catástrofe e num cenário destes não se atende a toda a gente. Os recursos não chegam. À parte do impacto da pandemia na humanização dos cuidados, com uma regressão de 20 a 30 anos em pouco menos de 1 ano, temo a mortalidade directa do COVID19 pelos relatos crescentes de insuficiência respiratória em doentes jovens e previamente saudáveis, mas temo sobretudo a mortalidade indirecta, fruto de equipas exaustas, desorganizadas e com pessoal técnico inexperiente, temo a mortalidade por outras causas que não COVID19, porque não há recursos para mais nada.

Por isso, mais do que nunca, se queremos inverter isto, se queremos verdadeiramente repensar o Sistema Nacional de Saúde e fazer investimentos sérios da saúde que é de todos e que se quer universal e gratuita, vote!

Expresse o seu descontentamento e vote!

Estamos a mãos com o maior desafio histórico na saúde em Portugal e não temos meios para enfrenta-lo, porque sistematicamente, 60% dos portugueses não defenderam os seus interesses.

Não sei onde isto tudo nos vais levar. Mas não prevejo um caminho fácil.

Será que vai mesmo ficar tudo bem? Temo que não.

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