Dificilmente será um tema novo, no entanto, cada vez recebo mais pais com curiosidade, opinião e sobretudo muitas dúvidas sobre este método de diversificação alimentar.
A expressão de baby-led weaning (BLW), numa tradução livre para o português seria algo como diversificação alimentar guiada pelo bebé. E o que é que este conceito tem de novo para ser tão comentado?
Tradicionalmente, em Portugal assumimos que um bebé pequeno irá diversificar a sua alimentação para além do leite, entre os 4 e os 6 meses: aos 4 meses é proposta a diversificação para os bebés que fazem apenas e só leite de fórmula e os 6 meses são reservados para os bebés amamentados de forma exclusiva.
Chegando a este momento do desenvolvimento, vem a primeira dúvida: introduziremos sopa ou papa? De qualquer forma, qualquer uma destas hipóteses coloca a tónica na preparação de um alimento semi-sólido/ pastoso que é dado à colher, ao bebé.
O que o BLW veio questionar foi exatamente esta forma de diversificação alimentar com recurso a purés. A teoria do BLW surgiu pela mão de Gill Rapley no início da década de 2000. Gill Rapley fazia visitas domiciliárias a mães e bebés no Reino Unido, contribuindo para a vigilância regular de saúde e bem-estar. No decorrer destas visitas apercebeu-se da dificuldade que alguns bebés manifestavam com a introdução de outros alimentos que não a fórmula ou o leite materno. Teve então a ideia de apresentar a comida de forma sólida aos bebés e foi precisamente sobre esse assunto que desenvolveu o seu mestrado e posteriormente doutoramento.
Desta investigação resultaram alguns livros, um deles já disponível em português (Os Bebés Sabem Comer Sozinhos: Baby-Led Weaning de Gill Rapley e Tracey Murkett).
Esta nova forma de introduzir os alimentos, na forma sólida, preparados em palitos e excluindo alimentos de risco de engasgamento acabou por se disseminar pelos países anglo-saxónicos, com especial incidência no Reino Unido e Austrália. No entanto, os primeiros estudos sobre segurança alimentar surgiram a partir de 2010 e é por isso que, atualmente, continua a ser um método visto com algumas reservas.
O BLW tem como premissa a deslocação do total controlo da ingestão alimentar para o bebé. Não é para pais que gostam de insistir em mais uma colher. Porque, neste processo, ao bebé é oferecida uma panóplia de alimentos preparados sob determinadas características (para garantir a segurança alimentar) e é o bebé, que já sentado direitinho, coordena e decide o que é que leva à boca.
Os mitos e as verdades que sabemos sobre BLW
Menos risco de obesidade infantil
Um dos aspetos mais usados como bandeira do BLW prende-se com o facto de hipoteticamente, como o controlo da ingestão alimentar está a cargo do bebé, o risco de sobrealimentação e obesidade ser de facto menor. Segundo a escola do BLW, uma criança que controla a sua ingestão alimentar, consegue afinar melhor os mecanismos de fome e saciedade, prevenindo naturalmente a ingesta excessiva. No entanto, o que as revisões e meta-análises sobre o assunto nos parecem revelar é que esta suposta vantagem não se verificou. O risco de obesidade é transversal ao método de diversificação alimentar utilizado.
Maior risco de engasgamento
Esta é seguramente a vertente mais discutível do BLW. A verdade é esta, nos estudos feitos até ao momento, que incluem um estudo prospetivo e aleatorizado publicado em 2016 no Pediatrics (A Baby-Led Approach to Eating Solids and Risk of Choking Louise J. Fangupo et al.), desde que o BLW seja iniciado depois dos 6 meses de idade, tendo a criança a capacidade de permanecer sentada sem auxílio, agarrar alimentos com as suas mãos e leva-los à boca sozinha e obedecendo estritamente às regras de preparação adequada dos alimentos (nada de frutos secos ou frutas ou legumes cortados às rodelas) o risco de engasgamento é sobreponível à diversificação alimentar com recurso a purés. E isto pode parecer estranho, mas justamente o que surge na literatura é que existe residualmente um risco de engasgamento que ronda os 30%, mantendo-se inalterado independentemente do método de diversificação alimentar escolhido.
Maior risco de défices nutricionais específicos
Este é um assunto extremamente relevante: o BLW surge como estratégia de alimentação complementar, desde que o aleitamento materno ou a fórmula infantil sejam mantidos. Tal como nos purés, começamos por introduzir uma papa ou uma sopa por dia e mantemos a restante alimentação, o BLW pressupõe um ajuste progressivo. Não se pode partir de uma criança que faz leite materno exclusivo para comer apenas e só alimentos sólidos, pelo risco óbvio de défices nutricionais, justamente porque no início, não há qualquer controlo das quantidades ingeridas pelo bebé.
Este assunto é especialmente relevante quando falamos do ferro. A anemia carencial de ferro é extremamente prevalente. Isto leva a que, em muitas sociedades, a introdução da papa de cereais fortificada com ferro seja realmente a resposta adequada ao problema. No caso dos bebés a fazerem BLW, não terão esta oferta da papa fortificada. A solução acaba por residir na manutenção da alimentação láctea. Por isso, desde que o aleitamento/ leite de fórmula seja mantido em livre demanda durante o processo de diversificação alimentar, não se verificou um maior risco de carências nutricionais nesta forma de diversificação alimentar.
Outros potenciais benefícios (ou não)
Uma das principais utilidades reveladas pelo BLW é a diversificação das texturas a que os bebés são expostos numa idade precoce. Comer toda a sua comida na forma pastosa é sinceramente, aborrecido. Ter a oportunidade de explorar os alimentos com a sua verdadeira estrutura e textura pode ser um mecanismo insubstituível de facilitar a introdução de novidades, alegrar o momento das refeições e deixar que o bebé participe mais e melhor, pelo menos mais precocemente, na rotina alimentar da família.
O que todos os artigos sobre o BLW nos dizem é que a sujidade é mais do que muita. Naturalmente que, se é dada a oportunidade ao bebé de explorar texturas de alimentos, também é obvio que, a partir dos 6 meses, eles queiram confirmar a persistência do objeto e atirem a comida ao chão. Faz parte, como é óbvio, mas nem todos os pais toleram o desperdício alimentar.
No meio estará a virtude?
Sabemos que do ponto de vista do desenvolvimento, os bebés estão recetivos a conhecer alimentos semissólidos a partir do momento que não têm o reflexo de extrusão (por isso é que é impossível fazer diversificação alimentar, mesmo com recurso a purés, abaixo dos 3 meses de idade). Este reflexo, presente nos bebés mais pequeninos, faz com que, quando algum alimento entre em contacto com a língua, o bebé faz imediatamente um movimento reflexo que empurra o alimento para fora da boca.
No entanto, algures depois dos 7 meses de idade, já há muito ultrapassado o reflexo de extrusão, o bebé vai aprender a gostar de mastigar. Pode ser um contrassenso, no entanto, a mastigação é um elemento de grande prazer na ingestão alimentar. Caso contrário, seguiríamos a comer comida pastosa para o resto da vida. A textura dos alimentos bem como a temperatura a que são servidos determinam a experiência do nosso paladar. E chega a uma altura, por volta de um ano de idade, que temos a obrigação de deixar de oferecer purés homogéneos, para passar a oferecer um prato com diferentes texturas. E frequentemente é neste momento que os bebés ficam encalhados. Já são crescidos, comem pão e bolachas, mas continuam a querer a sopa com carne toda passada!
E sinceramente, creio que podermos explorar com uma criança as texturas dos diversos alimentos só traz vantagens. Desde que a escolha e preparação dos mesmos seja feita com recurso ás indicações de segurança.