As crianças mentem. E a mentira nos nossos filhos é difícil de gerir. Mas será que a mentira nas crianças tem o mesmo significado da mentira nos adultos? Quererá dizer alguma coisa? O que poderemos fazer?
As crianças começam a mentir na idade pré-escolar e é habitualmente um processo bastante súbito. Para mentir, é preciso ter um certo nível de sofisticação cognitiva: é preciso ter percepção da realidade, atribuir um valor moral e inventar uma versão alternativa dos acontecimentos.
Inicialmente a mentira é uma espécie de experiência social, em que os miúdos avaliam o impacto de contar uma versão alternativa (e mais conveniente) dos factos. O clássico costuma ser negar uma acção. À pergunta universal “Bateste no teu irmão?”, a resposta é um singelo e mentiroso “Não”. Este tipo de mentiras são as mais inofensivas e inocentes. Quando a criança é muito pequena, é óbvio para o adulto que ela está a mentir. Não vale a pena chamar a criança de mentirosa. Os rótulos raramente são úteis. Mais vale falar-lhes da importância da verdade e contar-lhes a história do Pedro e Lobo.
É lógico que quando uma criança mente, à semelhança do adulto, pretende obter um ganho ou evitar uma punição. Por isso temos de diferenciar o acto que levou à mentira, da mentira em si. Um exemplo, a criança partiu uma jarra e tentou ocultar esse facto. Uma coisa seria a consequência de ter partido a jarra (ter de ajudar a limpar, ver simbolicamente o preço da jarra descontado na sua semanada, por exemplo), outra coisa completamente diferente é a suposta punição por ter mentido. E as crianças percebem isto muito bem. Por isso, quando temos praticamente a certeza que a criança está a mentir, podemos sempre dizer-lhe que achamos que o que ela está a dizer não corresponde à verdade e devemos dar-lhe uma oportunidade, nesse momento, de reformular a sua história, sem recurso à punição da mentira.
No entanto, para algumas crianças, a mentira tem uma raiz mais profunda e pode mesmo ser uma estratégia para colmatar uma baixa autoestima. Nestas situações, a criança utiliza a mentira como exercício de imaginação, em que se coloca num papel de destaque, de forma a projectar uma ideia de si própria muito mais importante do que realmente se sente. São as clássicas mentiras sobre as férias, em que todos os miúdos dizem que fizeram coisas mais divertidas do que realmente fizeram, para se conseguirem afirmar entre os pares.
É doloroso perceber que um filho recorre a este tipo de subterfúgio para conseguir de alguma forma, valorizar-se. Nestas circunstâncias, punir a mentira só vai agravar esta autoestima já de si bastante debilitada. Aqui torna-se ainda mais importante o diálogo, a oportunidade de confrontação com a realidade sem julgamento, sempre enquadrada com a segurança de que, independentemente da história inventada, o afecto parental não se altera.
Por fim, há a mentira por impulso. Nas crianças mais mexidas, a resposta à pergunta “já fizeste os TPCs? “é invariavelmente “sim”. Como não se lembram ao certo se fizeram ou não, a resposta mais fácil e menos geradora de problemas é “sim”! Esta é mesmo um clássico para despachar! Quando se tornam recorrentes, temos que desenvolver estratégias de responsabilização pelas tarefas, com listas de afazeres e lembretes mais frequentes.
Mas devemos ou não punir a mentira?
Não acredito em castigos em si, mas sim em consequências. A mentira, tal como as más acções, são sempre passíveis de serem discutidas, conversadas e elegíveis para a aplicação de uma consequência. Talvez a única excepção seja mesmo a criança que mente como estratégia de preenchimento da sua auto-estima. Nestes casos, a conversa tem mesmo que ter lugar e a criança deve ser incentivada a reconhecer o seu valor. Só assim perderá a necessidade de continuar a mentir.